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A produção da globalização

Como só se pensa na crise financeira, a crise política, a crise social e a crise moral ficam em segundo plano e se aprofundam mais.

A globalização é produzida com uma série de ferramentas, como a unicidade da técnica, que faz com que todo o mundo tenha acesso às últimas novidades técnicas. A informação é outro expediente que permite a técnica única e que leva à convergência de momentos, ou seja, à ocorrência em todos os grandes centros dos efeitos das mudanças no resto do mundo. Mas essa informação é deturpada e também gera efeitos.

A unicidade da técnica e a convergência de momentos fazem com que a o único motor do mundo seja a mais-valia. Tudo se faz para aumentá-la e, em conseqüência, a competitividade aumenta.

O motor único também é possível graças ao conhecimento do planeta, à medida que é possível escolher lugares e materiais mais lucrativos.

Tudo isso leva a crer que o período por que passamos é uma crise, que requer uma mudança estrutural.

Uma globalização perversa

A globalização perversa é baseada em fábulas como a da comunicação global, do espaço e tempo contraídos, da desterritorialização e da morte do Estado. São fábulas porque a informação é centralizada e manipulada no interesse das grandes empresas. A diminuição de espaço e tempo pregada só acontece para poucos. A globalização perversa precisa dos territórios e dos governos internos para se manter e a morte do Estado, por sua vez, só aproveita às poucas empresas hegemônicas.

Todas essas fábulas são inculcadas nos cidadãos antes mesmo de qualquer ação.

A busca incessante pelo dinheiro leva à competitividade que geraindividualismos e violência. O discurso hegemônico, por sua vez, faz issoparecer inevitável. Sai de cena então a solidariedade e cresce o desemprego e a miséria.

Os homens não são mais cidadãos, mas meros consumidores, comandados pelas técnicas de marketing e design, impostas pela suposta “informação”.

A ciência (e aí se incluem as pesquisas eleitorais) é ideologizada e também cai num círculo vicioso para legitimar a própria ideologia de que é vítima.

Nascem daí a violências estrutural e a perversidade sistêmica, onde acompetitividade e a potência (falta de solidariedade ou prevalência sobre osoutros) puras, unidas à ideologia neoliberal, fazem parecer normais asexclusões sociais. Fala-se muito em violência da sociedade de nosso tempo,mas esquece-se que as violências que mais percebemos são apenas derivadas. A violência estrutural resulta da presença, em estado puro, dacompetitividade, da potência e do dinheiro. A essência da perversidade é acompetitividade, uma guerra em que tudo vale para conquistar melhoresespaços no mercado.

Na evolução das sociedades o progresso da ciência caminhava em direção ao da humanidade. A revolução industrial quebrou esse ritmo, mas as idéias filosóficas e morais da época conseguiram manter um contrapeso. O resultado foi o alcance do Estado Social. A globalização perversa ainda consegue quebrar esse processo e faz o homem retornar ao estado primitivo do cada um por si. Milton Santos entende, portanto, que o homem caminha para o progresso, mas há algumas falhas nessa caminhada.

Além disso, os avanços tecnológicos apenas servem aos interesses do mercado, sem consideração com os da humanidade.

Por outro lado, as grandes empresas passam a dominar o cenário político e chantageam governos para que concedam incentivos fiscais na instalação.

De todo esse processo advém a pobreza estrutural, excludente, que aideologia neoliberal (Hayek) insiste ser necessária, inevitável e natural e que, por isso, deve-se em alguma medida estimulá-la. Se a crise é estrutural, não são possíveis soluções não-estruturais. A ruptura como o sistema daglobalização perversa há de ser total.

Nesse quadro, o papel dos intelectuais é quebrar o pensamento único,fazendo a dialética, porque o globalitarismo só é forte se encontracontrapartida interna. Quer dizer, depende de cada país o modo com vai seinserir na globalização.

O território do dinheiro e da fragmentação

Antigamente as diferentes velocidades entre os Estados não separavam os agentes, pois a política compensava a diversidade, assegurando a soberania de grandes diferenças e conduzia ao enriquecimento dos direitos sociais.

A globalização traz a ideologia de que a fluidez é um bem comum, quando na verdade apenas alguns agentes podem utilizá-la. Imponto o ritmo, o mercado controlado pelas grandes empresas busca apenas expansão e não união. O mundo é forçado a se amoldar às vontades e necessidades dasempresas.

Como conseqüência, fragmenta-se o território, com as empresashegemônicas criando ordem para si e desordem para o resto. Em reação aesse fenômeno criam-se novas soberanias, como o país basco.

Na agricultura, por exemplo, há uma demanda externa de racionalidade, que leva à militarização do trabalho: deve-se seguir as regras hegemônicas da produção (soja, por exemplo). Isso leva à servidão e ao desemprego.

Por isso, diz-se que o campo é o lugar da vulnerabilidade e a cidade o da resistência. Esta característica da cidade pode ser explicada porque nela as racionalidades da globalização se difundem mais extensivamente, aindamais quando paralelamente há produção de pobreza. Mas ambos estãosubordinados às lógicas das empresas globais, que impedem as regulaçõeslocais. O que vale é a norma global. Daí criarem-se regionalismosexacerbados que ameaçam a integridade nacional. A vida acaba obedecendoàs lógicas exógenas.

Milton Santos percebe a necessidade de uma federação de lugares, a partir de células locais, uma regionalização não fragmentada para que se possa atuar na federação.

Outra dado que pode ser reunido é o das metamorfoses dos conceitos de território e dinheiro. O território passa a ser a identidade de determinado lugar, ao passo que o dinheiro não representa mais apenas elemento de troca, mas fator de avaliação das características de dado território. Como exemplo dessa constatação lembro os avaliadores de riscos dos países, que se especializaram em estudar o valor que determinados lugares tem na mercado internacional.

O domínio do dinheiro acaba tendendo a homogeneizações, que são contrariadas aos poucos pelas resistências locais. Na América Latina esse processo se dá através do macrocrescimento de algumas empresas. Esse crescimento satisfaz a busca dos governos neoliberais pelo aumento do PIB. Por isso, é necessária a decisão das minorias de participar ativamente do processo, decisão que fortalece todos os entes da federação.

O autor apresenta a teoria das verticalidades e horizontalidades. As verticalidades seria forças de ordens externas e superiores que atendem a interesses corporativos – pontos que formam “o espaço de fluxos”. O poder assim exercido leva o processo organizacional a se dar no ritmo dos macroagentes que não dão espaço aos pequenos. Esse modelo tem a característica de ser construído para ser indiferente ao seu entorno. Suga-se até não dar mais, depois, adiós!

Ao passo que se pode caracterizar as verticalidades como forças centrífugas, as horizontalidades são centrípetas; são forças que não são criadas por políticas estabelecidas, pois são fruto da adaptação a situações que exigem dos atores permanente estado de alerta.

São a contra-racionalidade, que contraria as racionalidades hegemônicas mesmo sem uma política uniforme. É o entendimento difuso de que as verticalidades não são boas. Por apresentarem essa característica, são propícias a formar solidariedades.

Essa luta de verticalidades e horizontalidades resulta num processo dialético que impede que o espaço de todos – o espaço banal – seja sufocado. Junto ao conceito de espaço Milton Santos dá o conceito de lugar: espaço em que se exerce a cidadania e se pode existir (p. 114).

A geografia revela que as aglomerações e as situações de vizinhança fazem com que as pessoas não se subordinem à racionalidade hegemônica, se entregando com mais facilidade às manifestações contra-hegemônicas, num movimento de baixo para cima. É a dialética da contra-racionalidade.

A escassez de recursos e a incitação ao consumismo fazem com que os

Limites à globalização perversa

mais pobres percebam sua posição e desvendem a mentira do discurso,permitindo o surgimento de variáveis ascendentes (que se impõem) elevando à desobediência. Assim, são postos limites à racionalidadedominante.

Desvendada a mentira, percebe-se que a imperatividade e unicidade da técnica não existem e não são possíveis porque as técnicas têm que guardar relação com o lugar que serão aplicadas. A política, no entanto, pode ser imperativa e até permitir a técnica única.

A vida cotidiana se opõe à técnica do just-in-time, porque respeita as diferenças e cresce com elas. As múltiplas formas do cotidiano são uma heterogeneidade criadora.

Com a produção hegemônica de necessidades e a incorporação de modos de vida também hegemônicos são criadas duas situações distintas: a escassez dos ricos, que quanto mais consomem, mais sentem necessidade deconsumir, ficando em permanente estado de escassez. Cria-se a rotina dafalta de satisfação – comprar um bom vídeo cassete não basta, então compra-se um DVD, que também não basta, e compra-se um home theater, que acaba sendo grande demais para a sala; então, faz-se uma sala maior e aí por diante.

A escassez dos pobres é diferente, mas tem melhores frutos. Como nãoconseguem e talvez nunca conseguirão consumir, por esse mesmo sentimento de escassez passam a buscar bens imateriais e infinitos, como asolidariedade, por exemplo. A escassez do pobre leva a novas descobertas eao entendimento do mundo.

Mas a pobreza não pode chegar à miséria, que aniquila. A pobreza éativadora de lutas e leva à tomada de consciência. Elabora-se assim apolítica dos de baixo, alimentada pela necessidade de existir e pela desilusão das demandas não satisfeitas. Parte-se para a rebeldia.

Os movimentos organizados, por sua vez, devem imitar o cotidiano dessas pessoas para se tornarem perceptíveis. Os partidos devem ser o espelho de seus eleitores.

A questão da classe média também é interessante. Ela teve seu apogeu e agora sente de perto a crise: antes era a maior beneficiária do crescimentoeconômico, mas agora não tem a força política de antigamente e sente aescassez e a insegurança de perto. Num primeiro plano começa a lutar porvantagens individuais que, com a tomada de consciência, tornam-se sociais e se identificam com os clamores dos pobres. Passam a ter a função deimplantar a democracia forçando o ideário e as práticas políticas.





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